Entre o tormento e a esperança.

O que você encontrará nesta crônica:
"Será que toda a inquietação está no tempo que nos falta ou na maneira como habitamos esse tempo? O ano de 2025 mal começou, e já sentimos o tempo escapar por entre os dias, deixando a nítida sensação de que nada conseguimos fazer. O coração acelerado, a mente afogada em medos que alimentam inúmeras formas de ansiedade. Um desconforto que, mesmo sendo evitado, se mostra inevitável. Viver o agora é o que realmente nos resta, mas a mente segue presa ao amanhã, sufocada pela ansiedade que nos governa. A ansiedade é um alerta ou uma prisão? Ou aceitamos sua presença ou aprendemos a compreendê-la."

I. O peso invisível.
Lembro-me desse dia como se fosse hoje. A lembrança ainda pulsa, nítida, como se o tempo tivesse marcado minha pele - um instante cristalizado entre o medo e a lucidez. O episódio de estresse agudo não se limitou ao momento em que ocorreu; ele se infiltrou em minha mente, gerando uma ansiedade silenciosa que passou a habitar meu corpo antes mesmo que eu percebesse. E se estendeu por tempos, transformando-se em um peso que, por um bom período moldou minha forma de sentir o mundo.
A ansiedade não avisa quando chega. Quando nos damos conta, já se infiltrou em nossos pensamentos, distorcendo nossa percepção do tempo, acelerando os minutos e transformando cada silêncio em um ruído esmagador.
O projeto compreendia quatro níveis: subsolo, térreo, primeiro andar e segundo pavimento. O subsolo foi projetado com algumas salas de aula, biblioteca, refeitório, área social e outras dependências, aproveitando o declive natural do terreno. O térreo foi planejado para abrigar salas de aula, recepção, salas de reunião e uma área de café. No primeiro andar, destacava-se um salão com palco elevado, em concreto armado, destinado a apresentações e reuniões para até 150 pessoas. Já o segundo pavimento, em uma área lateral, acomodava as salas de máquinas, a caixa d'água, a sala de som e iluminação, além de um espaço para logística.
Acompanhei cada fase da obra desde a fundação. Sabia que, mais do que concreto e aço, aquela estrutura sustentava também o peso invisível das decisões, dos cálculos e, sobretudo, das expectativas humanas.
Estávamos todos reunidos no salão do primeiro andar, onde o burburinho de vozes se misturava ao som de copos e risadas abafadas. Engenheiros, arquitetos, operários e fornecedores - cerca de cinquenta pessoas – compartilhavam um instante de celebração. Em determinado momento, desci para atender a uma ligação no telefone fixo. Foi então que ouvi um estalo seco, seguido por um som característico de ruptura, como o rompimento de algo rígido. Logo depois, mais quatro estampidos cortaram o silêncio.
De imediato, senti o meu corpo travar, antes mesmo que minha mente processasse o significado. A reação física precedeu a razão, fazendo com que minha respiração se encurtasse e apertasse meu peito. Um silêncio sufocante dentro de mim gritava mais alto que qualquer ruído externo. Acima daquela laje, as cinquenta pessoas. Todas confiando nos cálculos que, de repente, pareciam frágeis como vidro sob pressão.
Foi o início de um grande estresse.
Você já sentiu o tempo escapar por entre seus dedos, como se cada fração de segundo carregasse uma urgência que você não consegue conter? Ou então já se pegou antecipando desfechos catastróficos, mesmo sem nenhuma prova concreta de que dará errado? Essa antecipação do incerto, carregada do peso do que ainda não aconteceu, desenha-se na mente como uma real tempestade inevitável.
A ansiedade tem esse poder: ela semeia medos onde ainda há apenas expectativas, transforma possibilidades em certezas e faz com que o momento presente se encha de preocupações. E então, o corpo reage: o coração dispara, a respiração se torna pesada, e o ar se torna insuficiente para dar conta do medo.
Esse sentimento não era apenas uma sensação passageira, mas um estado crescente e paralisante, que me lançava em um redemoinho de inquietações. Quando essa inquietação se entrelaçou ao imprevisível, cada decisão tomada parecia ter sido frágil, e cada cálculo se transformou em dilema. Naquele dia, a solidez do edifício enfrentou o abalo invisível do medo.
Corri de volta ao salão. As conversas seguiam normalmente, alheias ao que eu pressentia. Com firmeza, pedi que todos se afastassem do centro e se dirigissem às paredes. Com calma, solicitei a evacuação do local. O processo foi rápido e sem pânico, mas o silêncio que se seguiu carregava o peso do incerto. Todos saíram em segurança, mas a ansiedade não saiu com eles. Ficou ali, agarrada à estrutura, impregnada nos espaços entre o concreto.
Uma grande pressão emocional e física parecia ter se instalado em mim. As dificuldades se somaram, e a ansiedade tomou conta de cada detalhe da obra. Pensamentos como: “Acho que houve um erro”, “Poderia ter sido feito de outra forma”, Deveria ter previsto isso” surgiam como lâminas, incisivas e incontroláveis. E, entre palavras soltas, como pedras lançadas contra vidraças, as acusações baseadas no achismo - na necessidade de encontrar culpados antes mesmo de compreender o problema – começaram a borbulhar. Expressões como “acho que”, “deveria”, “poderia” e “quem sabe” surgiam, aumentando o clima de tensão e gerando desconfianças sobre minha capacitação profissional.
Senti que estava no meu limite emocional, com meu lado racional se distanciando da situação. Então, no meio do barulho, pedi que me ouvissem, dizendo apenas uma frase:
- "Senhores, estamos priorizando apenas o problema e não buscando soluções!”
Todos se calaram e voltaram seus olhares para mim. Não dava para continuar daquela forma, sem conseguir atingir um ponto de equilíbrio.
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Il. A espiral do medo.
Passei por longos dias em que o tempo deixou de ter contornos definidos. O tempo deixou de ser tempo e tornou-se espera. O dia não trazia luz, e a noite não trazia mais descanso. As noites eram preenchidas pelo cansaço que se infiltrava nos sonhos, e, então, pesadelos tomavam conta do sono, com a constante sensação de ruptura de vigas e lajes. As trincas, mesmo as mais insignificantes, tornavam-se um abismo de possibilidades catastróficas.
O sofrimento dos ansiosos é profundamente solitário. O medo, sentimento raiz da ansiedade, está sempre presente. Onde há medo, lá está ela, acompanhando, intensificando cada dor, cada angústia e cada desgaste emocional, mental e físico.
Paradoxalmente, a ansiedade faz parte da nossa estrutura cerebral, sendo um mecanismo natural e necessário para a nossa sobrevivência. Contudo, há um limite para que ela seja benéfica. Quando ultrapassado, a ansiedade deixa de ser um alerta vital e se transforma em um fardo debilitante. Sua manifestação vai variar conforme a estrutura psicológica de cada pessoa: pode levar ao enfrentando dos desafios, arrastar para um estado depressivo, provocar a fuga das situações ou até mesmo resultar na paralisia diante do medo.
A ansiedade, quando atinge níveis patológicos, pode contribuir para o desenvolvimento ou agravamento de diversas condições de saúde, como distúrbios autoimunes, hipertensão, diabetes, infarto e outras. Compreender essa dualidade é essencial para reconhecer seus efeitos e encontrar formas mais equilibradas de lidar com seus impactos no dia a dia.
Naquela época, não tínhamos os programas de cálculo que existem hoje, e cada detalhe do projeto exigia extrema paciência e precisão. Os desenhos eram copiados utilizando compostos químicos. Todos os projetos eram feitos à mão, com caneta nanquim sobre papel vegetal. Esse processo artesanal, quase ritualístico, fazia com que cada traço carregasse a tensão de um cálculo definitivo, evidenciando a fragilidade dos nossos traços humanos. Não havia simulações digitais, contávamos apenas com a experiência, a intuição e a incerteza como guias. Entretanto, a ansiedade ignorava a lógica: cada olhar desconfiado ou cada pausa prolongada diante de um projeto atuavam como sentenças silenciosas.
Naquele tempo, a tensão se impregnava nos traços e nas pausas, frutos das incertezas e da fragilidade humana. Hoje, porém, vivemos em uma sociedade que impõe um consumismo e materialismo exagerados, sustentando uma competição incessante que nos empurra para além dos limites do que é considerado normal. Assim, a ansiedade se enraíza em todas as esferas da nossa existência - seja na vida pessoal, familiar, profissional ou até mesmo nos momentos de lazer. Toda essa pressão constante alimenta a impaciência, tornando-nos cada vez mais intolerantes, podendo se manifestar em atitudes radicalizadas. Somos seres de uma complexidade emocional única e, por isso, extremamente vulneráveis.
Diante disso, vale a pena que cada um de nós se permita refletir sobre algumas questões fundamentais: O que, de fato, te desequilibra? O que tira você do eixo? Quais medos, muitas vezes silenciosos, conseguem te paralisar? Em quais pensamentos você se perde, gerando ansiedade e incertezas? O que, em seu dia a dia, funciona como o gatilho que dispara esses pensamentos? Somente ao compreendermos, com mais profundidade, as causas que nos desafiam, que nos ferem ou nos causam conflito, conseguiremos promover as mudanças necessárias em cada contexto, realidade, circunstância ou aspecto da vida.

lll. Ansiedade: o intervalo entre dois tempos.
- “Você foi colocado à prova”, disse a amiga arquiteta. “Como consegue manter a calma?”, perguntou ela, sem perceber que, por dentro, havia uma tempestade contida.
Foi uma conjunção de frustração pela forma agressiva com que as palavras chegavam, acompanhadas de acusações de erros sem uma abordagem racional.
Permaneci em silêncio por uns instantes. Talvez fosse exatamente isso que me diferenciava ali: a pausa entre o impulso e a resposta. Respirei fundo. - “A ansiedade aguda domina a mente e a implode como a implosão de um prédio, desmoronando por dentro. Mas, se nos entregarmos ao colapso da ruína, o que pode nos restar, minha amiga?”, respondi.
Ela imediatamente afirmou:
- “Você conseguiu contornar a situação de forma equilibrada!”
A situação exigia calma e clareza, pois qualquer atitude precipitada poderia piorar ainda mais a situação. Porém, a calma não era ausência de medo. Era uma escolha. Era entender que cada reação impensada poderia alimentar mais ainda o caos. Naquele momento, o que mais importava era atravessar aquele furacão sem ser varrido por ele. Não importava se eu estava certo ou errado, se era justo ou não ser alvo dos julgamentos.
Após incontáveis longos dias, os testes finalmente confirmaram e provaram a solidez da estrutura. Enfim, tudo foi resolvido.
Em situações assim, percebemos que o que foi construído não foi apenas o prédio; junto dele se construiu a compreensão. Foram construídas muitas camadas de aprendizado sobre os limites da paciência e, em destaque, a resistência da mente diante do abalo das circunstâncias. A estabilidade e solidez de qualquer obra estão tanto no concreto quanto na serenidade de quem a conduz, suportando o peso invisível das incertezas e das muitas ansiedades pontuais que se infiltram em cada etapa do processo, persistindo mesmo quando tudo parece resolvido. Afinal, a ansiedade não é apenas uma sombra do que ainda falta, mas uma presença inevitável, pulsando entre o planejamento e a espera, entre o alívio e a próxima inquietação.
Se a ansiedade é o intervalo entre o agora e o que ainda não chegou, onde repousam a serenidade e a paz? Estariam no ato de habitar plenamente o presente, na espera ou na entrega ao desconhecido?
Talvez a resposta não esteja na certeza, mas na maneira como atravessamos esse intervalo. Será que há mesmo uma resposta ou apenas diferentes formas de sentir esse intervalo?
E você, o que pensa sobre isso?
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Esta é uma obra editada sob aspectos do cotidiano, retratando questões comuns do nosso dia a dia. A crônica não tem como objetivo trazer verdades absolutas, e sim reflexões para nossas questões humanas.